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Charles Darwin aos seis anos (óleo de Ellen Sharples, 1816); Darwin aos 28 anos, pouco depois de seu retorno da viagem a bordo do Beagle (aquarela de George Richmond, 1836-7); Darwin aos 33 anos com seu filho William (daguerreótipo reproduzido no livro In The Life, Letters, and Labours of Francis Galton, de Karl Pearson); Darwin aos 65 anos (fotografia carte-de-visite publicada por John G. Murdoch, digitalmente colorida); e perfil do busto em mármore de Darwin exposto no National History Museum, em Londres em composição com a lombada da primeira edição de Origem das Espécies.

O impacto de Darwin nas Ciências e na Paleontologia dispensa maiores apresentações, mas vale ressaltar o impacto que a obra de Humboldt exerceu sobre Darwin: "nada jamais estimulou de forma tão ardorosa o meu entusiasmo quanto a leitura da Narrativa Pessoal de Humboldt", escreveu Darwin. E declarou que não teria embarcado no Beagle nem escrito A Origem das Espécies sem aquela influência.
 
Quadrinhos mostrando a chegada do HMS Beagle à região do Rio da Prata e o encontro de fósseis da megafauna quaternária por Darwin na Argentina, Extraído da tirinha produzida pela empresa Exodus Travel em comemoração ao Dia de Darwin.

Como coletor de fósseis, Darwin reuniu em sua volta ao mundo uma formidável coleção de 1.529 espécimes de vertebrados, moluscos, braquiópodes, cracas e plantas fósseis, cerca de um terço das quais descritas como novas espécies e nomeadas por diferentes especialistas. O entusiasmo e a importância que reservava aos fósseis pode ser ilustrada por este trecho de uma carta enviada desde as Ilhas Malvinas à irmã Catherine Darwin em 6 de abril de 1834, na qual relativiza sua paixão de juventude, a caça: "Não há nada como a Geologia; o prazer dos primeiros dias de caça às perdizes não podem ser comparados ao prazer de encontrar um bom grupo de ossos fósseis, que contam a história de tempos passados quase como que falassem". Demais correspondências e anotações nos mostram que quando Darwin chegou às Ilhas Galápagos suas ideias sobre a evolução das espécies por meio da seleção natural já estavam bastante avançadas. Sua inspiração mais fecunda veio dos fósseis da megafauna quaternária que ele mesmo encontrou na Argentina, com influência das descobertas de Lund em Minas Gerais tal como nos relata no capítulo X (Da Sucessão Geológica Dos Seres Vivos) em A Origem das Espécies: "(...) Este parentesco torna-se ainda mais evidente pela admirável coleção de ossadas fósseis recolhidas nas cavernas do Brasil pelo Sr. Lund e Sr. Claussen. Estes fatos impressionaram-me tão vivamente que, desde 1839 a 1845, insistia vivamente sobre esta 'lei da sucessão dos tipos" e sobre "estas notáveis relações de parentesco que existem entre as formas extintas e as formas vivas do mesmo continente'. (...) encontra-se, nas cavernas do Brasil, um grande número de espécies fósseis que, pela sua configuração e por todos os outros caracteres, se aproximam das espécies que vivem atualmente na América do Sul, e algumas podem ter sido os antepassados reais das espécies vivas."

Darwin, como todos em seu tempo, aplicava as leis e princípios cuvierianos de anatomia comparada (correlação entre partes e subordinação de caracteres), pois permitiam reconstruir organismos extintos a partir de fósseis fragmentados. Mas aos poucos esses princípios foram ressignificados no novo paradigma que Darwin estabelecia, vinculando a concordância fundamental de estrutura, ou unidade de tipo, não a uma regra geométrica, mas ao que denominou "unidade de descendência"1. Em outras palavras, a ancestralidade comum. Os dados eram os mesmos, mas para alcançar este novo objetivo cognitivo era necessário a compreensão das relações filogenéticas existentes entre as espécies, compreensão ausente no modelo cuvieriano. Antecipando conceitos modernos de espécie à luz da sistemática filogenética, diz-nos Darwin sobre a então raridade de formas intermediárias entre duas espécies, tema que é uma verdadeira obsessão aos críticos de então, e dos desinformados de hoje: "O mais correto seria procurar formas intermediárias que existem entre cada uma delas e um ancestral desconhecido, comum a ambas, que por sua vez deve ser diferente dos seus descendentes modificados" (capítulo X, Da Sucessão Geológica Dos Seres Vivos, de A Origem das Espécies). Com aquela expressão, Darwin antecipava o estudo dos grupos-irmãos como uma chave para o adequado posicionamento das formas extintas na narrativa evolutiva, e não a tentativa de estabelecimento de uma relação ancestral-descendente direta. Certamente Darwin estaria em júbilo com a moderna perspectiva trazida pela Sistemática Filogenética e com a multidão de exemplos de morfótipos intermediários que o registro fossilífero nos brindou desde sua época e que se posicionam na história da vida exatamente como predito por ele. Ainda lembrando aos críticos desinformados que os atributos de primitivo, intermediário e derivado são inerentes aos caracteres, e não às espécies em si.

Darwin também supera, e opõe-se, à perspectiva lamarckiana de que, se uma descendência ininterrupta entre uma espécie ancestral e uma vivente pode ser detectada, então não teria havido extinção, e todos os fósseis necessariamente seriam ancestrais de da forma vivente a eles afim, sem perdas nem ganhos na diversidade ao longo do tempo2.
 O próprio detalhamento da estratigrafia e da paleontologia tornaram insustentáveis a visão lamarckiana, e Darwin reconhece as extinções fora dos moldes catastrofistas, como uma consequência do mecanismo de seleção natural na economia da natureza e uma contrapartida da diversificação das espécies derivada da seleção natural sobre ancestrais comuns.

 

 
O estabelecimento da extinção por Cuvier foi usado por Darwin como um componente fundamental de seu próprio conceito de seleção natural, mas incorporada como um fenômeno biológico. Em Cuvier, ao contrário, a extinção é tratada como uma contingência catastrófica do ambiente sobre as populações. Como adepto do paradigma uniformitarista, que sucedeu o Catastrofismo, Darwin não negava a ocorrência de eventuais cataclismos, mas certamente não os exaltava como Cuvier nem reconhecia que extinções súbitas pudessem ocorrer. Também não atribuía apenas às mudanças do meio físico a propulsão para a adaptação e nem para a extinção. Darwin preferiu ressaltar na competição entre indivíduos e espécies a fonte da instabilidade que leva às mudanças. As proposições de extinções e transformismo, irreconciliáveis entre Cuvier e Lamarck, são imiscuídas em Darwin como sendo ambas consequências dos mesmos processos.

Darwin, que reconheceu Cuvier (e Lineu) como seus "deuses" em uma carta enviada ao amigo William Ogle apenas um mês e meio antes de falecer, estabeleceu um novo paradigma, agora materialista e evolutivo, para a compreensão das extinções e em substituição ao paradigma fixista, determinista e essencialista cuvieriano. A posteridade reconheceu a realidade de diversas "revoluções do globo" e por fim acomodou a revolução darwiniana na paleontologia cuvieriana.

 
1 Faria FFA. 2012. A revolução darwiniana na paleontologia e a ideia de progresso no processo evolutivo. Scientiae Studia , 10 (2): 297-326.
2 Ferreira MA. Transformismo e extinção: de Lamarck a Darwin. Tese, Programa de Pós-graduação em Filosofia, Universidade de São Paulo . 155p.
 
Douglas Riff