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Surpreenda-se com Uberlândia e o Triângulo Mineiro: Da Caiapônia às Gerais

Introdução: Cayapós meridionais e o Sertão da Farinha Podre
 
O município de Uberlândia está localizado na região do Triângulo Mineiro, a mesopotâmia situada entre os rios Grande e Paranaíba, e é coberta por remanescentes do bioma Cerrado. Esta região, juntamente com o norte de São Paulo, o sudoeste de Goiás, o leste do Mato Grosso do Sul e o sudeste de Mato Grosso, fora nomeada pelo padre Manuel Aires de Casal como "Caiapônia" no livro Corografia Brasilica (1817), obra que traz também  os primeiros relatos de fósseis publicados no Brasil1.

A denominação Caiapônia fazia alusão ao fato de esta ampla região ser habitada pelos indígenas Cayapó meridionais 
(Figura 1) , nome dado por portugueses e paulistas a um povo que se autodenominava "Panariá", segundo relato do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire em sua passagem por Goiás em 18192. Tais indígenas compõem um dos muitos povos , também denominados de "Tapuias". Este termo, por sua vez, foi adotado por colonizadores a partir do contato com os indígenas Tupi no litoral, e era aplicado de maneira generalizada aos indígenas tidos como "embrutecidos do sertão", em contraposição aos litorâneos e sociáveis Tupi3. A Caiapônia avizinhava-se com o território de outros indígenas Jê, tais como os Bororo, os Goiá, os Xavante, os Xacriabá e os Araxá4 .
 
Figura 1 - Destaque da Toponímia "Certão do Gentio Cayapó" (sic) no Mappa dos Sertoes que se comprehendem de mar a mar entre as capitanias de S. Paulo Goyazes Cuyaba Mato Grosso e Para, de autoria do português Ângelo dos Santos Cardoso (1750). Extraído de Borges (2018) 5 .

Por essa região, passava o limite ocidental da possessão portuguesa na América do Sul, a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, registrada por dois marcos [contestados] localizados no atual distrito uberlandense de Miraporanga (Figura 2).


Figura 2 - Marco da Linha de Tordesilhas no distrito uberlandense de Miraporanga. Fonte: Histórias de Uberlândia.
 
Ainda que a União Ibérica (1580 a 1640) tenha relaxado esse limite, o Tratado  de Tordesilhas  foi definitiva e oficialmente encerrado apenas em 1777. A instabilidade administrativa dessa demarcação e, principalmente, a resistência dos Cayapó meridionais à escravização e usurpação de seu território, impediram por muito tempo a ocupação luso-brasileira dessa região. Esse quadro, no entanto, vinha paulatinamente se modificando desde o deslocamento dos bandeirantes paulistas para o oeste, uma das consequências de sua derrota na Guerra dos Emboabas (1707 a 1709) e de sua expulsão das minas recém-descoberta na região de Vila Rica, atual Ouro Preto6 .

A partir de 1722, com a descoberta de ouro na região da Serra Dourada, no atual município de Goiás (antiga Vila Boa), o consequente fluxo exploratório e migratório em direção ao Brasil Central selou o destino dos Cayapó meridionais e do futuro Triângulo Mineiro. As derrotas paulistas nas principais "minas gerais" e sua marcha para ao oeste levam ao desmembramento da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro nas capitanias de Minas Gerais e de São Paulo em 17205, esta última incorporando em sua jurisdição todo o atual Triângulo Mineiro, todo o território Cayapó, e além.

Os bandeirantes paulistas e os comerciantes mineiros advindos de Vila Rica trafegavam pelo Triângulo Mineiro por um caminho denominado estrada dos goiases, aberto por Bartolomeu Bueno da Silva Filho (o Anhanguera II). Os bandeirantes estocavam provisões ao longo do caminho para sua viagem de volta e, ao regressarem, encontravam-nas apodrecidas. Outra versão atribui essa alcunha a uma antiga divisão territorial de Portugal, na região da Beira, denominada Farinha Podre, cujas terras teriam certa semelhança entre si. Difundiu-se assim uma nova denominação para a região que abrange desde o encontro dos rios Grande e Paranaíba até as serras da Canastra e Mata da Corda (atual mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba): o "Sertão da Farinha Podre"4,7.

Movida por interesse fiscalizador e arrecadador devido à descoberta de ouro em Goiás e em Cuiabá, a Coroa Portuguesa criou, em 1758, a Capitania de Goiás, desmembrada de São Paulo, e o Triângulo foi incorporado à capitania goiana mantendo a antiga divisa com a Capitania de Minas Gerais. Na fronteira entre as então capitanias goiana e mineira foi fundado o primeiro núcleo populacional luso-brasileiro no Sertão da Farinha Podre, e na Caiapônia como um todo: Tabuleiro, arraial aurífero situado em área do atual município de Sacramento, às margens do então denominado Rio das Velhas, corruptela de Rio das Abelhas e antiga denominação do Rio Araguari5,8.

Na defesa de seu território, os Cayapó meridionais reduziram o pequeno povoado de Tabuleiro a cinzas em 1736, época na qual também exterminaram os indígenas araxás4. A alegada belicosidade dos Cayapó meridionais levou a decretos reais marianos e joaninos ordenando o cativeiro e, em seguida, o extermínio daquele povo. O arraial de Tabuleiro foi reconstruído em 1743 com o nome de Arraial do Rio das Velhas, e ali foi erguida a capela de Nossa Senhora do Desterro de Desemboque. O povoado cresceu, recebeu mineiros que fugiam de impostos excedentes sobre ouro instituídos em Minas Gerais (derramas), e constituiu-se no grande pólo irradiador de expedições colonizadoras para toda a extensão da Farinha Podre e do Brasil Central.

Bandeirantes e administradores paulistas e goianos passaram então a empreender e a determinar sucessivos ataques contra os Cayapó meridionais. Nas primeiras guerras foram capturados cerca de 8.000 cayapós, e a campanha explícita de genocídio durou até 1778. Milhares de indígenas "amansados" e avassalados das etnias Bororo e Karajás (grupo Jê), Parecis (grupo Arawák), entre outras, foram transladados desde Cuiabá e aldeados ao longo da "estrada dos goiases" para que protegessem as rotas para as minas de Goiás e impedissem o retorno dos Cayapó9.

Implacavelmente perseguidos, os Cayapó meridionais foram dados como extintos pouco após o último contato oficial no Triângulo Mineiro, feito em 1911 
com cerca de 30 remanescentes aldeados no atual município de São Francisco de Sales (parte do município de Prata, à época), por um agrimensor uberabense integrante da Comissão Geographica e Geologica de São Paulo 8. [Vale notar que o trabalho desta mesma Comissão revelou alguns dos primeiros fósseis do Grupo Bauru: ossos de titanossauros e outros materiais coletados em 1911 no atual município paulista de Colina e arredores e relatados em 1913 pelo engenheiro Joviano Pacheco10. Juntamente com restos de um titanossauro coletados em 1922 pelo médico e engenheiro de minas são-joanense Guilherme Bastos Milward no município de Monte Alegre de Minas e por ele remetidos para a coleção da referida Comissão em São Paulo11, os espécimes registrados por esses pioneiros consolidaram a já sugerida datação para os depósitos Bauru como sendo do Cretáceo Superior (ou "Senoniana") após o paleontólogo alemão Friedrich von Huene compará-los com titanossauros do Uruguai e Argentina12.]

Finalmente, o status de indígenas extintos dado aos Cayapó meridionais foi revisto após uma população de cerca de 100 indivíduos estabelecida na região dos rios Peixoto Azevedo e Iriri, no norte de Mato Grosso, ser oficialmente contatada pelos irmãos sertanistas Villas-Bôas em 1973 no decorrer da Expedição Roncador-Xingu, parte do projeto lançado no período do Estado-Novo (1937-1945), chamado de "A marcha para o Oeste", e que teve Uberlândia como sua principal base logística. Estudos linguísticos e etnográficos demonstraram que aquele grupo, autodenominado como Panará e alcunhados pelos rivais e distintos Cayapó setentrionais (Mebêngôkre) como "índios gigantes" ou como Kreen-akarore ("cabelo cortado redondo"), são atualmente a única descendência viva dos Cayapó meridionais que fugiram dos ataques que afligiram sua região originária9. Atualmente residem cerca de 600 indivíduos nos 499.740 hectares da Terra Indígena Panará, nos municípios de Guarantã (MT) e Altamira (PA).
Goianos x Araxaenses: a incorporação do Sertão da Farinha Podre à província de Minas Gerais

Naquele contexto de ocupação, a administração da Capitania de Goiás elevou, em 1766, o arraial do Rio das Velhas à comarca, com o nome de Julgado de Nossa Senhora do Desterro das Cachoeiras do Rio das Velhas do Desemboque, com jurisdição sobre todo o Sertão da Farinha Podre, em área com cerca de 94.500 quilômetros quadrados.
 
O núcleo do Julgado do Desemboque é hoje o pequeno distrito de Desemboque do município de Sacramento, com cerca de 40 habitantes. Teve filhos ilustres, como a primeira escritora negra do Brasil, Carolina de Jesus, e o ator contemporâneo Aryclenes Venâncio Duarte, de nome artístico Lima Duarte. Também deu origem a outras vilas, sendo Araxá a primeira delas.

Com a decadência da mineração, fazendeiros do Desemboque retornaram para Minas Gerais em fuga de um imposto goiano sobre a venda de gado, inexistente em Minas, e atraídos por águas terapêuticas e salitrosa fundam, em 1791, a Freguesia de São Domingos de Araxá, elevada a Julgado em 1811 e desmembrada do Julgado de Desemboque
A sucumbência do Desemboque foi acontecendo à medida que o núcleo urbano, surgido com a demarcação da sesmaria do Barreiro (em Araxá), foi se fortalecendo com o crescimento das atividades de criação na região, e a Freguesia de São Domingos do Araxá, que surgiu no território do Desemboque, tornou-se cabeça do Julgado, Vila e Cidade5.

A capitania goiana reagiu anexando também a freguesia de Araxá. Mais tarde, em 1815, a elite de Araxá peticionou ao príncipe regente Dom João VI para que fosse respeitado o limite entre as duas capitanias, e que as vilas do Desemboque e de Araxá passassem à jurisdição da capitania mineira. A autoridade local, o ouvidor da Capitania de Goiás Joaquim Ignácio de Oliveira da Motta, amigo próximo do príncipe, acabou apoiando os goianos contra o movimento do povo que queria ser mineiro5

Os araxaenses fizeram então um levantamento da vida do ouvidor e descobriram seus malfeitos, visando desmoralizá-lo. Entre outros, descobriram que o ouvidor raptara uma menina em Araxá após matar seu avô, levando-a para Vila do Paracatu do Príncipe. Para escapar da exposição e julgamento, Joaquim Ignácio decidiu apressar a aspiração do povo na região e abandonou o apoio aos goianos. Com isso, em 1816 Dom João VI edita um alvará real determinando a mudança administrativa desejada pelos araxaenses, mas no documento não se referiu-se às vilas de Araxá e do Desemboque em específico, e sim a todo o Julgado do Desemboque e de Araxá4,5. Consequentemente, todo o Sertão da Farinha Podre foi incorporado, a reboque, à Capitania de Minas Gerais

Segundo o mito araxaense, a adolescente cujo rapto determinou o arrefecimento da resistência do ouvidor foi
Anna Jacintha de São Joséconhecida mais tarde como Dona Beja (Formiga, 2 de janeiro de 1800 - Bagagem, atual Estrela do Sul, 20 de dezembro de 1873). Esta relação entre dona Beja, o rapto perpetrado pelo ouvidor e seu consequente papel na incorporação do Sertão da Farinha Podre por Minas Gerais não encontra, todavia, embasamento documental13 .

Em 1831 é criado o Município de Araxá. Consolidado, em 1835, o município possuía um território de 105.307 km², abrangendo toda a região entre os Rios Grande e Paranaíba em extensão superior à que hoje é chamada de Triângulo Mineiro. Em 1836 começou o processo de divisão do antigo Município de Araxá, originando todos os municípíos do Triângulo Mineiro (Figura 3), sete dos quais
 criados pela divisão direta de seu monumental território: Uberaba (1836), Patrocínio (1840), Carmo do Paranaíba (1848), Sacramento (1870), Ibiá (1923), Perdizes (1938) e Santa Juliana (1938).
 
Figura 3 - Desmembramento do antigo município de Araxá e dos respectivos municípios sucedâneos. Fonte: Borges (2018)5. Clique para ampliar.

Assim, o Triângulo passou de "Caiapônia" a São Paulo, de São Paulo a Goiás e, finalmente, Minas Gerais, vinculando-se cultural e historicamente aos estados com os quais faz fronteira enquanto ressalta a tradições e o "jeito de ser" próprio do mineiro.
Uberlândia, fruto de uma escola e uma igreja

A origem da cidade de Uberlândia está ligada expansão da ocupação do Sertão da Farinha Podre estimulada pela concessão de sesmarias por Dom João VI. Em 1818, o geralista e alferes João Pereira da Rocha, vindo de Paraopeba, instalou-se inicialmente junto à redução de indígenas Bororo trazidos de Cuiabá e gerida por padre jesuíta José de Castilho desde 1750 em Santana do Rio das Velhas (atual município de Indianópolis), após a expulsão dos Cayapó meridionais4,14.

Atraído pela existência de uma igreja na aldeia, demarcou ali a Fazenda São Francisco, instalou familiares, protegidos e escravos, e seguiu o curso do Rio Araguari em direção ao Rio Uberabinha, seu afluente. Deparou-se com uma grande árvore em cujo tronco havia uma placa com inscrições já ilegíveis, denotando a passagem de outros por ali antes dele. João Pereira da Rocha tomou posse e demarcou nova fazenda, denominada Letreiro4. Continuou explorando e, em 29 de junho de 1818, deparou-se com um córrego que denominou Córrego de São Pedro em honra ao santo do dia (atualmente este córrego encontra-se canalizado abaixo da maior via de Uberlândia, a Avenida Rondon Pacheco). Trouxe da Fazenda São Francisco a família e escravos negros, concedeu terras para protegidos, e deu início ao povoamento da área do futuro município. Em 1821 recebeu da Corte uma carta de sesmaria da região de suas andanças, à época pertencente ao Julgado de Araxá5.

Além de João Pereira da Rocha, outros exploradores contribuíram para o processo de colonização deste território. Dentre eles estão os geralistas Ricardo Gonzaga de Santos e João Vermelho Bravo, concessionários das sesmarias da Rocinha e de Registro (atual distrito uberlandense de Tapuirama), e os Cabral de Menezes, proprietários originais de imensa propriedade denominada Fazenda Sobradinho. A constituição dessas propriedades, no entanto, não exerceu influência direta na formação de um núcleo urbano, uma vez que não existia entre elas uma força unificadora que favorecesse relações sociais próprias de uma cidade. Isso se dará apenas em a partir de 1827 com a chegada de uma família proveniente de Santana do Jacaré, no Sul de Minas: os irmãos Carrejo, primos de Francisca Alves Rabelo, segunda esposa de João Pereira da Rocha. A transferência definitiva deu-se em 1835, quando a comitiva dos Carrejos chegou guarnecida de escravos e animais domésticos. Adquiram terras e constituíram quatro fazendas: Olho D'Água, Laje, da Tenda e Marimbondo. Felisberto Alves Carrejo (Figura 4), professor com formação adquirida em colégios de missionários, estabeleceu-se na fazenda da Tenda próxima ao atual Parque Estadual do Pau Furado, e cuja denominação está associada à tenda de ferreiro instalada por ele nessa propriedade15,16 .
 

Figura 4 - Felisberto Alves Carrejo. Fonte: Domínio Público.
 
Felisberto funda na Fazenda da Tenda, ainda em 1835, a primeira escola da região (atual Escola Municipal Tenda do Moreno), escrevendo, ele mesmo, as lições e os exercícios utilizados na alfabetização. O contínuo funcionamento da escola foi uma contribuição decisiva para o nascimento da futura Uberlândia, impulsionado ainda pela construção de uma capela, também projetada por Felisberto Carrejo e erguida em 1846 em uma área adquirida a partir da Fazenda do Salto, até então de propriedade da viúva Dona Francisca Alves Rabelo. Sem mais necessidade de deslocar-se para obter serviços religiosos  até a igreja jesuíta na aldeia Santana (Indianópolis,  atualmente), a população passa a se aglutinar em torno da nova capela, denominada Nossa Senhora do Carmo. Nas circunvizinhanças da igreja são contruídas habitações destinadas a residência e ao comércio de pessoas provenientes de diversas regiões. Sem critério de urbanização, foram abertas as ruas em traçados irregulares e estreitos que caracterizam o atual bairro do Fundinho. Em 1943, por iniciativa do então prefeito Vasconcelos Costa, a igreja foi demolida para dar lugar a uma rodoviária. Em 1963, o prédio passa a abrigar a atual Biblioteca Municipal (Figura 5).
 
Figura 5 - Igreja Nossa Senhora do Carmo (1846-1943), Estação Rodoviária (1945-1963), e Biblioteca Pública Municipal Juscelino Kubitschek de Oliveira (1976-atual), no mesmo local no Bairro Fundinho, em Uberlândia, marco da formação da cidade,

O povoado surgido em torno da Capela de Nossa Senhora do Carmo recebeu o nome de Arraial de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra de São Pedro do Uberabinha. No entanto, administrativamente só se tornaria um arraial de fato em 21 de maio de 1852, em decreto estadual que cria o arraial de São Pedro de Uberabinha, subordinado ao município de Uberaba. Em 1857 o arraial tornou-se freguesia juntamente com Santa Maria do Uberabinha, esta desmembrada do município de Monte Alegre de Minas (e este, por sua vez, emancipado de Prata em 1870). No dia 31 de agosto de 1888, São Pedro de Uberabinha emancipou-se de Uberaba como novo município e distrito-sede, tendo Santa Maria como segundo distrito. A longo dos anos houve várias alterações na subdivisão distrital (atualmente quatro distritos, e a sede, Uberlândia). Em 1923 foi criado o distrito de Martinópolis a partir de desmembramento do distrito sede e, pelo Decreto-lei Estadual nº 1.058 de 31 de dezembro de 1943, foram criados os distritos de Tapuirama e Cruzeiro dos Peixotos. O distrito de Santa Maria do Uberabinha passou a ser denominado Miraporanga, e Martinópolis tornou-se Martinésia17.
 
O caráter identitário do município de São Pedro de Uberabinha começou ser firmado entre 1910 e 1920. Nesse período surgiu, em rodas de conversas realizadas na extinta Livraria Kosmos, a ideia de um novo nome para a cidade. Entre os frequentadores da livraria o argumento era que a cidade, que tinha aspirações de progresso, não podia ser uma pequena Uberaba, portanto, precisava de um nome próprio. O guarda-livros João de Deus Faria, proveniente da Bahia, então sugeriu o nome Uberlândia, que significa "Terra Fértil". Na ocasião, o poderoso "coronel" José Theófilo Carneiro (1852-1931) rejeitou a ideia e militou contra o projeto de troca do nome. Passados aproximadamente 18 anos, o coronel Carneiro decidiu que era um bom momento para alterar o nome do município e passou a despachar correspondências para políticos diversos, e ao próprio presidente do estado, Antônio Carlos, em campanha para que o nome da cidade fosse alterado para "Maravilha", nome idealizado pelo p´roprio coronel18. Em conversa com o senador estadual Padre João Pio, em Belo Horizonte, em 1929, o senador advertiu que esse era um bom nome para uma vaca, e não para um município. Diante da situação, o coronel Carneiro recordou-se da sugestão dada por João de Deus anos antes e substituiu a sugestão pelo nome dado por João de Deus. No mesmo ano, pela Lei Estadual n.º 1.128, o município de Uberabinha tomou o nome de Uberlândia19.

Terra Fértil
 
Apesar do ufanismo inerente aos nomes dado e propostos, sentimento difundido desde a chegada dos Carrejo18, às vésperas de sua emancipação a cidade vivia tempos desprovidos de iluminação elétrica, vias asfaltadas e sem qualquer calçamento. Com o passar dos anos, a "terra fértil" foi se urbanizando e atraindo olhares que estimularam o desenvolvimento econômico do município. O próprio coronel Carneiro, fazendo uso de sua influência política, foi um paladino desse processo, conquistando a eletrificação do município e a conexão ferroviária20. Ao descobrir que Uberabinha não fazia parte do roteiro originalmente traçado pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro para conectar Campinas e Goiás, idealizou um novo trajeto que incluia a cidade: a Linha Catalão. Em 21 de dezembro de 1895 foi inaugurada a Estação Ferroviária da Cia. Mogiana p´roximo onde hoje se encontra a Praça Sérgio Pacheco, com trilhos estendendo-se pela atual Avenida João Naves de Ávila, a segunda maior via da cidade. No ano seguinte foi instalada uma estação rural na Fazenda Sobradinho, atualmente em ruínas. A linha Catalão impulsionou muito o desenvolvimento das cidades por onde passou no Triângulo Mineiro (Delta, Uberaba, Uberlândia e Araguari). Das trinta e duas estações urbanas e rurais deste ramal ferroviário, restam poucas íntegras, como a estação Peirópolis (atual Museu dos Dinossauros, em Uberaba), a estação Uberlândia (atualmente estação da Ferrovia Centro-Atlâtica, restrita a transporte de cargas), a estação Stevenson (atualmente um restaurante). A partir de Araguari uma segunda companhia, a Estrada de Ferro Goiás, conduziria a ligação ferroviária com Goiânia, e sua primeira estação, inaugurada em 1928, é  o grandioso Palácio dos Ferroviários, atual sede da prefeitura de Araguari. Acompanhando a rede ferroviária vieram os telégrafos e pouco depois, em 1910, o telefone é instalado por empresa local, a Companhia Irmãos Teixeira, embrião da atual companhia Algar Telecom. Todos esses avanços inseriram Uberlândia no cenário nacional.
 
A cidade de Uberlândia se especializava no comércio inter-regional e redistribuição de mercadorias, valendo-se, além da ferrovia, de uma crescente rede rodoviária. Atualmente cortada por cinco grandes rodovias federais (BR-050, BR-365, BR-452, BR-455 e BR-497), a expansão do sistema rodoviário em detrimento do ferroviário beneficiou ainda mais o desenvolvimento de Uberlândia. Ao contrário, Uberaba e Araguari estabeleceram uma estratégia urbana e comercial completamente dirigida pela lógica do transporte ferroviário20. Devido à já complexa malha rodoviária, Uberlândia torna-se base logística para empreendimentos que visam o Brasil Central, como a construção de Goiânia (década de 1930), a concentração e suprimento dos dirigentes da Expedição Roncador-Xingú (1943), e a construção de Brasília (décadas de 50 e 60).

Na segunda metade do século XX a cidade se fortalece ainda mais com a criação da Universidade Federal de Uberlândia, a chegada das primeiras emissoras de televisão e a economia florescendo com o desenvolvimento dos atacadistas e das indústrias. Não por acaso, a cidade ganhou notoriedade e recebeu denominações como Capital Nacional da Logística, Portal do Cerrado e destaque de maior polo atacadista da América Latina. O desenvolvimento tornou Uberlândia a principal cidade do Triângulo Mineiro e segunda maior de Minas Gerais em população, com 683.247 habitantes (IBGE, 2018).


No setor econômico, Uberlândia chega ao século XXI como um dos maiores centros consumidores de Minas Gerais e do Brasil. Possui o sétimo maior PIB dentre as cidades do interior brasileiro e está à frente de dezesseis capitais nesse quesito. É a primeira de Minas e a segunda do Brasil em saneamento básico, está em 16ª posição no ranking nacional das "Melhores Grandes Cidades para Se Viver".

Em uma linha do tempo que se inicia com a escola de Felisberto Carrejo na Fazenda da Tenda e passa por uma Biblioteca Pública onde inicialmente havia uma igreja, temos atualmente que Uberlândia é a nona cidade do Brasil com os melhores indicadores de educação. São mais de 140.000 alunos matriculados em escolas de educação básica e mais de 79.000 em ensino superior. Uberlândia tem muito a oferecer. Infraestrutura, oferta de serviços, facilidade de acesso, capital intelectual e vocação empreendedora são características que fazem de Uberlândia um importante polo econômico e um verdadeiro celeiro de oportunidades, sendo também conhecida nacionalmente por ser uma cidade universitária, com nove instituições privadas, dois campi do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) e quatro campi da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a segunda maior universidade do estado.

 
Casal, MA. 1817. Corografia brazilica, ou Relação historico-geografica do Reino do Brazil composta e dedicada a Sua Magestade Fidelissima por hum Presbitero Secular do Gram Priorado do Crato . Tomo I. Rio de Janeiro: Impressão Régia. 342 p.
Saint-Hilaire A. 1975. Viagem à província de Goiás . Tradução Regina Regis Junqueira. Belo Horizonte/São Paulo: Ed. Itatiaia/EDUSP,
3 Mano M. 2010. Metáforas históricas e realidades etnográficas: a construção de uma história do contato Kayapó no Triângulo Mineiro. Revista Cadernos de Pesquisa do CHDIS , 23(2): 325-348.
4 Lourenço LAB. 2010. O Triângulo Mineiro, do Império à República: o extremo oeste de Minas Gerais na transição para a ordem capitalista (segunda metade do século XIX) . Uberlândia: EdUFU. 316 p.
5 Borges RMPO. 2018. Cartografia da Formação Territorial de Araxá - Minas Gerais - do Sertão Kayapó ao Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba - Heranças Historiográficas e Bases da Gênese no Território de Conflito. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade de Brasília. 145 p.
6 Romeiro A. 2008. Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII . Belo Horizonte: Editora da UFMG. 431 p.

Luz EMM. 2016. Paisagens de uma região em transformação: o Sertão da Farinha Podre. In : Faria BC, Gonçalves MR, Pimenta AM (Org.). Museus e paisagens culturais . Franca: Associação Paulo Duarte.  p. 10-21. 

8 Rezende N. 2016  Povoações abandonadas no Brasil . Londrina: Eduel. [livro eletrônico]

9 Giraldin O. 1997.  Cayapó e Paraná - Luta e sobrevivência de um povo Jê no Brasil Central . Campinas: Editora da Unicamp. 198 p.

10 Pacheco JAA. 1913. Notas sobre a geologia do Valle do Rio Grande a partir da fóz do Rio Pardo até a sua confluencia com o Rio Parahyba. In: Comissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo. Exploração do Rio Grande e de seus afluentes. p. 33-38.
11 Milward GB. 1935. Contribuição para a geologia do Estado de Goyaz. São Paulo: Escolas Profissionais
Salesianas. 98p.
12 Huene F. 1931. Verschiedene mesozoische Wirbeltierreste aus Südamerika. Neuen Jahrbuch für Mineralogie, Geologie, Paläontologie, 66: 181-198.

13 Montandon RMS. 2004. Dona Beja - Desvendendo o Mito . Uberlândia: EdUFU. 276 p.
14 Mori R. 2015. Os aldeamentos indígenas no caminho dos Goisas: guerra e etnogênese no sertão do gentio Cayapó (Sertão da Farinha Podre) - Séculos XVIII e XIX . Dissertação, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Uberlândia. 230 p.

15  Pezzutti P. 1922. Município de Uberabinha: história, administração, finanças e economia. Uberabinha: Officinas Livraria Kosmos.
16  Lopes VMQC. 2005. Caminhos e trilhas de uma história. Olhares & Trilhas, 4 (6): 17-24.
17  Silva RR. 2014. Memórias, Imagens e Experiências - O município de Uberlândia a partir de seus distritos. MG (1980-2012) . Tese, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia. 196 p.
18 Dantas SM. 2008. De Uberabinha a Uberlândia: Os matizes de um projeto de construção da Cidade Jardim (1900 - 1950). In: Brito DS & Warpechowski EM. Uberlândia Revisitada: Memória, Cultura e Sociedade . Uberlândia: EdUFU. p 18-50.
19  Silva AP. [201-]. O nome da cidade. In: Silva AP. As Histórias de Uberlândia . Volume I, p. 54-58.
20  Lopes VMQC. 2010. Uberlândia: histórias por entre trilhas, trilhos e outros caminhos - memórias, construção e apropriações do espaço . Uberlândia: EdUFU. 216 p.

Douglas Riff